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22.05.2020
Marco Antônio dos Santos Martins(*) Esta semana lembrei de uma destas profícuas conversas de cafezinho, onde um médico, com excelente capacidade de gestão, contava que em uma longínqua época da história, a polícia de Paris estabeleceu uma grande perseguição aos curandeiros, pessoas sem formação médica, que exerciam, de forma ilegal, a profissão de médico. Após muito esforço, a polícia parisiense conseguiu prender o curandeiro mais famoso da cidade e, para surpresa geral, ele confessou que possuía um diploma de médico, mas que atuava como curandeiro, porque é sempre mais fácil encontrar pessoas que acreditam em curandeiros do que em médicos.
Diante de uma conjuntura em que o Brasil contabiliza mais de 20.000 mortos por Covid-19, o Ministério da Saúde recomendou que o uso do medicamento cloroquina fosse ampliado para os casos de pacientes leves (até então, seu uso era permitido para casos graves). A recomendação surge em um momento em que vários estudos científicos, realizados com uso do medicamento em pacientes com Covid-19, demonstram resultados inconclusivos. Este é apenas mais um acontecimento capaz de exemplificar o verdadeiro tratamento dispensado, nas últimas décadas, ao conhecimento científico no Brasil, onde o improviso e a “teoria do achismo” prevalece sobre o planejamento e a ciência, sendo sempre mais fácil acreditar no curandeiro de plantão. Nesse sentido, cabe citar Leonardo Da Vinci: “Os que se encantam com a prática sem a ciência são como timoneiros que entram no navio sem timão nem bússola, nunca tendo certeza do seu destino”.
Em meio a discussões completamente sem foco, o Brasil já é reconhecido no mundo como o novo epicentro do vírus. Segundo o Ministério da Saúde, o coronavírus já chegou a 58,7% dos cerca de 5,5 mil municípios brasileiros e provocou mortes em 1.220, ou seja, 21,9% do total. Nesse contexto, observa-se que algumas das principais cidades do País, continuam empenhadas em controlar o avanço da doença, com destaque para a cidade de São Paulo, que vem tentando diversas medidas para aumentar o isolamento social, como a antecipação de feriados.
De outro lado, o estado do Rio Grande do Sul permanece como um dos exemplos positivos no gerenciamento da pandemia, com o governo estadual orientando suas decisões a partir de uma modelagem de monitoramento regional, apoiada em informações geradas por pesquisas científicas, e que conta com elevado grau de comprometimento da sociedade. Nesta semana, o Estado começa a relaxar as medidas de isolamento, com reabertura dos shoppings, restaurantes e academias de ginástica, com o compromisso de persistir com o monitoramento regional para aumentar ou diminuir o grau de isolamento social, conforme a evolução da doença e seus impactos sobre a estrutura de saúde.
Enquanto a cloroquina ocupava as atenções de Brasília, o mercado financeiro voltava suas atenções para a evolução das pesquisas sobre a vacina contra a Covid-19. Na segunda-feira, os resultados promissores de uma possível vacina desenvolvida pela farmacêutica Moderna, fizeram as bolsas de valores experimentarem forte valorização pelo mundo, com o IBOVESPA encerrando o dia em 81.194 pontos, com valorização de 4,69%. Após alguma apreensão na terça, o índice volta a se valorizar na quarta e quinta, com a sinalização de retomada da economia americana e chinesa. O IBOVESPA fechou a quinta-feira em 83.087 pontos, acumulando a alta de 7,05% na semana.
O dólar comercial também acompanhou o bom humor do mercado, fechando em R$ 5,5811, com uma desvalorização de 4,40% na semana. Além disso, a reunião entre o Presidente e os governadores, onde ficou acertado o auxílio aos estados e municípios com o congelamento dos salários dos funcionários públicos, e a sinalização de um possível alinhamento do Palácio do Planalto com o Congresso, no que se refere aos auxílios precisarem estar apoiados no compromisso da responsabilidade fiscal de médio prazo, contribuíram para o bom ânimo dos investidores.
No último pregão da semana, o mercado aproveitou o aumento das tensões entre Estados Unidos e China, por conta de um projeto de lei do governo chinês de impor nova lei de segurança nacional a Hong Kong, o que aumentaria o controle do Partido Comunista Chinês sobre a cidade semiautonôma, para realizar lucros. Além disso, aumentaram as preocupações com a divulgação da íntegra do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril (reunião em que o ex-ministro Sérgio Moro afirma ter sido pressionado para realizar trocas na Polícia Federal), previsto para ser liberado ao final da tarde de sexta-feira. Com este cenário, o IBOVESPA fechou a 82.173 pontos, com perdas de 1,02% no dia, mas com uma valorização de 5,95% na semana e de 2,07% no mês. O dólar comercial, por sua vez, fechou em R$ 5,5842, com desvalorização de 4,35%, voltando aos patamares da primeira semana do mês.
A próxima semana chega cheia de expectativas, pois, ao que parece, o silêncio que reinava em Brasília será substituído pelas fortes repercussões a respeito do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril. Na própria sexta-feira à noite, trechos do vídeo já agitavam os noticiários, com os analistas do mercado financeiro tentando identificar o quanto o vídeo irá contaminar o ambiente político e o quanto dessa contaminação irá afetar a precificação dos ativos.
Só para lembrar, o mercado financeiro também tem seus “curandeiros”: sempre é mais fácil encontrar pessoas dispostas a acreditar naqueles que prometem altos rendimentos sem mostrar os riscos, do que naqueles que explicam as possibilidades de ganhos associadas aos devidos riscos. Em linhas gerais, o curandeiro promete soluções fáceis e baratas, já a ciência é custosa, pois exige muito investimento e pesquisa.
Por fim, cabe destacar o ensinamento do jornalista e crítico social norteamericano, H. L. Mencken1 “Para todo problema complexo, existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada.”
(*) Professor do DCCA da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS, Doutor em Administração, com ênfase em Finanças e Mestre em Economia pela UFRGS.___________________1 Henry Louis Mencken, também conhecido como H. L. Mencken (Baltimore, Maryland, 12/09/1880 – 29/01/1956, foi um jornalista e crítico social norte-americano. Mencken é conhecido por escrever The American Language, um estudo de como a língua inglesa é falada nos Estados Unidos. Ele comentou amplamente na cena social, literatura, música, políticos proeminentes, pseudo-especialistas