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24.04.2020
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Será um trem desgovernado?
24 de Abril de 2020 Marco Antônio dos Santos Martins(*)
No final da última semana, em meio a uma quantidade enorme de incerteza, os preços dos ativos ao redor do globo, incluindo o mercado financeiro local, experimentavam uma recuperação nos preços em relação ao final de março, a ponto de que o título do texto de 17 de abril foi “A expectativa de uma luz no fim do túnel”, arriscando um certo ar de otimismo. A percepção à época parecia encontrar consistência, considerando que os preços do petróleo se recuperavam, os pedidos de desemprego nos Estados Unidos apresentavam números menores e o Congresso americano aprovava mais um pacote de ajuda às empresas no total de US$ 484 bilhões. No cenário local, a situação também indicava possibilidade de flexibilização do isolamento social. Além disso, o Presidente e seu novo ministro da saúde pareciam estar com o discurso alinhado, embora alguns ruídos entre o Executivo e o Legislativo gerassem uma certa incerteza na condução das medidas para enfrentar os efeitos econômicos do coronavírus.
Rumores de que o ministro Sérgio Moro sairia do Governo por desentendimentos com o Presidente da República em relação à substituição do DiretorGeral da Polícia Federal, restaram confirmados hoje, com um discurso contundente do Ministro e seu pedido de demissão do cargo, o que azedou o humor dos mercados, dando a impressão que a tal luz pode ser um trem desgovernado vindo no sentido contrário.
A saída do segundo ministro em uma semana, desta vez de um ministro portador elevado nível de credibilidade junto à sociedade e que justifica sua saída alegando não concordar com as tentativas de interferência política do Presidente da República na nomeação de cargos da Polícia Federal, balançou fortemente a credibilidade do governo e sua capacidade de governabilidade.
Para completar o quadro, o Governo Federal tem agendada uma reunião inaugural para discutir o plano “Pró-Brasil”. O projeto, apresentado pelo ministro-chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto, tem por objetivo criar medidas, junto aos ministérios, para recuperar a economia fragilizada pelo coronavírus. Os principais pontos da proposta são gerar emprego e recuperar a infraestrutura do país. Este projeto tem sofrido críticas pela falta de clareza sobre o que vai ser feito efetivamente e pela falta de envolvimento do ministro da economia Paulo Guedes.
A combinação destes acontecimentos aumenta naturalmente as incertezas no mercado financeiro, fazendo com que o a bolsa, que operava valorizada em 1,54%, a 80.687 pontos, às 11h30min do dia 23 de abril, fechasse o dia desvalorizada em 1,26%. Na sexta-feira (24) a bolsa chegou a desvalorizar 8,6%, às 12h30min, fechando com perdas de 5,6%, a 75.331. Já o dólar comercial saltou de R$ 5,39 na quinta (23), para R$ 5,73 por volta 12h30min da sexta-feira (24), fechando o dia em R$ 5,65, com alta 2,53% no dia.
Em termos de perspectivas econômicas, o momento é de preocupação, na medida em que se dispersa energia para administrar uma crise política, quando os esforços deveriam estar concentrados no combate ao coronavírus e nas medidas para recuperar a economia, o que pode colocar em risco a capacidade de governabilidade do atual governo, com a possibilidade de retardar a implementação das medidas econômicas, dificultar a administração das contas públicas no médio e longo e prazo e, por consequência, gerar dificuldades na rolagem da dívida pública, com o aumento da percepção de risco no mercado, levando-o a exigir juros maiores para comprar títulos públicos.
O comportamento do preço dos ativos nos próximos dias passa a incorporar, além dos fatores da crise do coronavírus e seus impactos na economia, o fator crise política, podendo ser um fator potencializador da volatilidade do mercado brasileiro, dependendo dos caminhos e da velocidade de solução da crise.
Ao investidor continua valendo a tese de que as movimentações precisam ser pautadas por muita racionalidade, com uma visão de médio e longo prazo, não esquecendo da frase de Warren Burffetf "O mercado de ações é um dispositivo para transferir dinheiro dos impacientes para os pacientes."
(*) Professor do DCCA da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS, Doutor em Administração, com ênfase em Finanças