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ANBERR APRESENTA DENÚNCIA AO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO EM DEFESA DOS BENEFICIÁRIOS DO SAÚDE CAIXA

14.06.2019

ANBERR apresenta denúncia ao Ministério Público do Trabalho em defesa dos beneficiários do Saúde CAIXA
 
            A Associação Nacional dos Beneficiários dos Planos de Regulamento Básico e Regulamento dos Planos de Benefícios – ANBERR protocolou, no último dia 13 de junho, denúncia junto à Procuradoria Regional do Trabalho da 10ª Região (Brasília) contra as violações de direitos dos beneficiários do Saúde CAIXA previstas na Resolução n.º 23 da CGPAR, no novo Estatuto Social da Caixa Econômica Federal, no Acordo Coletivo de Trabalho 2018/2020 e na RH 221, recentemente alterada pela empresa.
 
           Sob o argumento de utilizar as atribuições conferidas pelo Decreto Presidencial nº. 6.021/2007, a CGPAR emitiu a Resolução nº 23 para estabelecer uma série de imposições e parâmetros a serem seguidos pelas empresas estatais no tocante ao custeio dos benefícios de assistência à saúde de seus empregados, sem a observância dos critérios de competência, bem como em graves prejuízos ao direito à saúde dos assistidos.
 
          Em consonância com Decreto n.º 6.021/2007, a CGPAR – Comissão Interministerial de Governança Corporativa e de Administração de Participações Societárias da União foi criada com o objetivo de aprovar diretrizes e estratégias relacionadas à participação acionária da União nas empresas estatais federais. Pela inteligência do citado decreto, não compete à CGPAR a edição de atos normativos que instituam (ou retirem) direitos e criem obrigações diretamente incidentes sobre as empresas estatais, como indevidamente realizado pela Resolução n.º 23/2018. Isto porque, dentre suas finalidades e competências não se encontra qualquer dispositivo expresso que a permita suprimir direitos ou limitar despesas.
 
           Com efeito, o Decreto sequer prevê como competência da CGPAR o estabelecimento de diretrizes e parâmetros para o custeio dos benefícios dos empregados. Além disso, os comandos constantes na Resolução só seriam admissíveis por meio de lei em sentido estrito.  A resolução, portanto, viola o inciso II do art. 5º e o art. 37 da Constituição Federal, pois editada em contrariedade ao princípio da legalidade.
 
           De igual forma, não foi observado o devido processo legal, uma vez que a edição de resolução pela CGPAR deveria obrigatoriamente ter sido precedida por processo administrativo, principalmente, para que fossem averiguadas a necessidade, a conveniência e a possiblidade da norma em atenção à competência da CGPAR e ao artigo 3º do Decreto 6.021/2007. Nesse sentido, o próprio Decreto exige que as deliberações da CGPAR sejam precedidas de pareceres técnicos.
 
           Além da discussão acerca do vício de competência, a referida resolução está eivada de ilegalidade e inconstitucionalidade também em seu conteúdo, uma vez que contraria a própria lei dos Planos de Saúde (9.656/1998), promove tratamento discriminatório entre empregados das empresas públicas, além de prejudicar as relações de trabalho.
 
          A Resolução 23 representa grande impacto negativo aos planos de saúde dos empregados da CEF, como de outros bancos e empresas estatais, tendo em vista que, em síntese: i. diminui a participação das empresas no custeio dos planos de saúde dos empregados; ii. Aumenta a contribuição dos empregados; iii. retira o plano de saúde para os novos funcionários e para os futuros aposentados; iv. estabelece a cobrança de contribuição para dependentes; v. reduz os benefícios oferecidos pelos planos.
 
           Este injusto ataque aos direitos de trabalhadores e aposentados afeta diretamente 4,7 milhões de usuários dos planos de saúde de autogestão das estatais federais (dados da ANS, última atualização em junho/2018), além de colocar em risco a continuidade desses planos. Atualmente, a ANBERR conta com mais de 1.770 famílias atingidas pelas mudanças impostas.
 
           As diretrizes da Resolução, não obstante a discutível competência da Comissão Interministerial para imposição das normas, foram absorvidas em acordos e convenções coletivas de trabalho e normas internas da CAIXA, especificamente no Acordo Coletivo de Trabalho 2018/2020, na RH 221 e no novo Estatuto Social da empresa, acentuando os prejuízos aos trabalhadores.
 
          A Resolução n.º 23 da CGPAR limitou a participação das empresas estatais no custeio do benefício de assistência à saúde ao menor dos dois valores: 8% do total gasto com a folha de pagamento ou o percentual correspondente à razão entre o valor despendido pela empresa para custeio do plano (apurado em 2017) sobre o valor da folha de pagamento, acrescido de até 10% do resultado desta razão.
 
          Com base em tal previsão, a Caixa Econômica Federal incluiu em seu novo Estatuto Social o art. 64, §6º, com a seguinte redação:
          § 6º A participação da CEF no custeio dos benefícios de assistência à saúde será limitada ao percentual de 6,5% (seis e meio por cento) das folhas de pagamento e proventos, excluídos os valores referentes ao Regime Geral de Previdência Social - RGPS.
 
           A mesma norma está contida na cláusula 34, parágrafo terceiro do Acordo Coletivo de Trabalho CONTEC 2018/2020, com previsão a partir do exercício de 2021. A disposição foi imposta aos trabalhadores, sem negociação, haja vista que já prevista no novo Estatuto Social da empresa, causando enorme prejuízo e instabilidade financeira aos milhares de beneficiários do Saúde CAIXA que se endividarão com despesas médicas ao que ultrapassar o injusto limite imposto pelas normas ora questionadas. Pela redação do Estatuto, ao estourar o teto de 6,5%, o novo modelo de custeio vai impactar em maiores custos ao trabalhador a partir de 2020.
 
           A Resolução da CGPAR autoriza, inclusive, a paridade no custeio das despesas, em 50% para a estatal e 50% para os beneficiários. Sob uma falsa justificativa de impulsionar a gestão corporativa sustentável do custeio e da governança, conjugando equilíbrio econômico-financeiro e atuarial com melhores práticas de recursos humanos nessas empresas, o governo tem inclusive pressa em instituir as mudanças que, conforme previsto, deveriam ser incorporadas aos planos em até 48 meses. No que se refere ao prazo para as adequações do Saúde-Caixa à Resolução CGPAR, a empresa deverá efetuar as modificações para atendimento às novas regras até o exercício de 2020. E as modificações já começaram a ser feitas em prejuízo aos direitos dos trabalhadores.
 
           A Resolução 23 da CGPAR viola direitos adquiridos pelos funcionários das empresas estatais, previstos historicamente em acordos coletivos de trabalho ou estatutos e convenções que regulam as entidades de autogestão de saúde. Também contraria as negociações trabalhistas realizadas com as entidades representativas dos trabalhadores ao prever, em seu art. 15 que “As empresas estatais federais que possuam o benefício de assistência à saúde previsto em Acordos Coletivos de Trabalho - ACT - deverão tomar as providências necessárias para que, nas futuras negociações, a previsão constante no ACT se limite à garantia do benefício de assistência à saúde, sem previsão de qualquer detalhamento do mesmo”.
 
           Em verdade, ao determinar a adequação pelas empresas estatais à paridade de contribuições entre empregador e empregado, a limitação de responsabilidade das empresas sobre o custeio de planos de assistência vinculada à folha de pagamento, dentre outras alterações, a norma impõe um ônus injustificável aos beneficiários do plano de assistência à saúde.
 
           Outro ponto que merece destaque é o que trata da manutenção do plano de saúde para os trabalhadores que vierem a se aposentar. O art. 31 da Lei nº 9.656/1998 assegura ao aposentado o direito de manutenção como beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral.
 
           Com o advento da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), além de definitivamente afastada a discriminação em razão da idade, há severas penas criminais para as condutas que possam prejudicar os direitos dos maiores de 60 (sessenta) anos. As regras dos supracitados artigos têm como objetivo corrigir graves injustiças praticadas contra o beneficiário de plano de saúde, haja vista que, mesmo após anos de vínculo e contribuição, via-se compelido a contratar novo serviço de assistência à saúde em decorrência do cancelamento unilateral perpetrado pela operadora do plano. Soma-se a isso o fato de que, muitas vezes, o beneficiário já se encontrava idoso e com saúde debilitada e precisa se submeter a novos prazos de carência e a preços muito elevados.
 
           Por essa razão, a norma do artigo 31 da Lei n.º 9.656/98 assegura ao beneficiário, em caso de aposentadoria, sua permanência no mesmo plano coletivo de que era parte anteriormente, desde que assuma o ônus de pagar integralmente o preço devido à operadora do plano de saúde
 
           Contudo, o art. 8º da Resolução CGPAR nº 23/2018 determina que o benefício de assistência à saúde, com custeio pela empresa, somente será concedido aos empregados das empresas estatais federais durante a vigência do contrato de trabalho, em franca violação aos referidos dispositivos, bem como à toda política legislativa protetiva em relação aos direitos dos idosos.
 
          Cabível frisar que o normativo RH 221 da Caixa Econômica Federal também traz flagrante ataque aos direitos dos aposentados no que se refere à manutenção do plano de saúde. Exemplo temos no item 3.2.5.2.1 em que os obriga a ter no mínimo 120 meses de contribuição para fazer jus à manutenção do plano após a rescisão do contrato com a Caixa.
 
           Diante do exposto, cabível a declaração de nulidade do artigo 8º da Resolução CGPAR nº 23, bem como do RH 221 da Caixa Econômica Federal, por contrariarem a literalidade da previsão do art. 31 da Lei nº 9.656/1998, que assegura ao aposentado o direito de manutenção como beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral.
 
           Além das ilegalidades apresentadas, a Resolução nº 23/2018 promove tratamento discriminatório entre empregados das empresas públicas, uma vez que o seu artigo 10º disciplina separadamente o tratamento dos empregados das empresas públicas de acordo com seu momento de ingresso na instituição, conforme se infere do dispositivo:
 
          Art. 10 As empresas que concedem benefícios de assistência à saúde, na modalidade autogestão, que não se enquadrem nas condições estabelecidas no art. 9°:
 
          I – Deverão fechar seus planos para adesão de empregados admitidos após a entrada em vigor desta Resolução; e
 
          II – Somente estarão autorizadas a oferecer para seus novos empregados benefício de assistência à saúde na modalidade de reembolso.
 
           Notadamente, a hipótese criada pela Resolução propicia efetivo tratamento discriminatório entre empregados da mesma entidade, porquanto os benefícios concedidos aos novos empregados serão mais restritos em comparação àqueles destinados aos empregados mais antigos. Há, portanto, inquestionável ofensa ao princípio da isonomia consagrado no artigo 5º, caput, da Constituição da República.
 
           Cumpre ressaltar, ademais, que o princípio da igualdade de tratamento aplicado nas relações de trabalho é matéria elevada ao patamar de direitos fundamentais, conforme se extrai da inteligência do artigo 7º, incisos XXX a XXXII da Carta Magna. Nesse sentido, o Tribunal Superior do Trabalho já decidiu que o benefício concedido pelo empregador a um funcionário deve valer para todos, sendo certo que o princípio da isonomia veda o tratamento discriminatório entre os empregados.
 
          Ao apreciar a medida cautelar na ADPF 532/DF, a eminente Ministra Carmen Lúcia assim se manifestou sobre os usuários de planos de saúde e a instabilidade jurídica existente sobre a matéria, a fim de demonstrar a cautela que se deve ter em tema relacionado à saúde:
 
         (...).
         A tutela do direito fundamental à saúde do cidadão brasileiro é urgente, a segurança e a previsão dos usuários dos planos de saúde quanto a seus direitos, também.
 
         Saúde não é mercadoria. Vida não é negócio. Dignidade não é lucro. Direitos conquistados não podem ser retrocedidos sequer instabilizados, como pretendeu demonstrar a entidade autora da presente arguição de descumprimento de preceito fundamental.
 
        Por isso o cuidado jurídico com o tema relativo à saúde é objeto de lei, quer dizer, norma decorrente do devido processo legislatório. No Estado democrático de direito, somente com ampla discussão da sociedade, propiciada pelo processo público e amplo debate, permite que não se transformem em atos de mercancia o que o sistema constitucional vigente acolhe como direito fundamental e imprescindível à existência digna.
 
           A plausibilidade jurídica dos argumentos apresentados na inicial, pautada em fundamentos constitucionais sensíveis à densificação desse direito, recomendam a atenção para inegável cenário de instabilidade jurídica com o incremento da judicialização da matéria.
 
           Anote-se também a inquietude dos milhões de usuários de planos de saúde, muitos deles em estado de vulnerabilidade e inegável hipossuficiência, que, surpreendidos ou, melhor, sobressaltados com as novas regras, não discutidas em processo legislativo público e participativo, como próprio da feitura das leis, veem-se diante de condição imprecisa e em condição de incerteza quanto a seus direitos.
 
           Inegável, portanto, que a ANBERR possui legitimidade e interesse para requerer a atuação do Ministério Público do Trabalho no sentido de  afastar a resolução interministerial e normas que tenham aderido ao conteúdo da referida resolução, haja vista esta ter criado obrigações não previstas em lei e que ferem direitos de seus associados mediante, inclusive, intervenção indevida na relação entre prestadora de serviço de saúde e Caixa Econômica Federal, além de avançar sobre matéria de competência da ANS.
 
 * Nathália Monici é Advogada do Escritório Nathália Monici Advocacia; Pós-graduada em Direito Público. Especializanda em Direito Médico e Hospitalar pela Escola Paulista de Direito; Especializanda em Direitos Sociais, Ambiental e do Consumidor pelo Centro Universitário de Brasília - UNICEUB; Capacitada em Gestão e Direito à Saúde pelo Instituto SAT Educacional/Conselho Federal OAB; Membro da Comissão de Direito à Saúde da OAB/DF; Membro-fundadora da Associação Brasileira de Advogados em Saúde; Integrante do Instituto Jurídico BIOMEDS e Membro do Fórum Nacional Médico e Jurídico de Defesa do SUS. Contatos: (61) 9 9184-4667 e-mail: contato@moniciadvocacia.adv.br. Site: www.moniciadvocacia.adv.br