A união estável possui conceituação normativa tanto na Constituição Federal, como no Código Civil. De acordo a legislação pátria, a união estável é caracterizada pela convivência pública, contínua e duradoura, entre homem e mulher, desimpedidos de se casar, ou separados, com animus (intenção) de constituir família.
Art. 226. [...]
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
Não obstante a redação dos dispositivos acima transcritos registrar como entidade familiar apenas a união entre homem e mulher, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar conjuntamente a ADI no. 4.227 e a ADPF no. 132, reconheceu, em julgamento unânime, a união estável homoafetiva, ou seja, entre pessoas do mesmo sexo. Buscou a Corte, além de impedir postura discriminatória em relação à sexualidade das pessoas (o que é dado pela Constituição em seu artigo 3, inciso IV), garantir uma interpretação mais ampla ao supracitado art. 226, parágrafo 3, da CF, uma vez que o dispositivo não diz que a união estável é formada “apenas” entre homem e mulher, o que possibilita admitir outros tipos de relacionamento amoroso com natureza de união estável.
A união estável é um fato jurídico capaz de gerar repercussões jurídicas diversas com direitos e obrigações, como prestação de alimentos, regime e partilha de bens, sucessão nos caso de morte de um dos companheiros, guarda, sustento e educação dos filhos, além dos deveres de lealdade, respeito e assistência entre os conviventes, caracterizando o expresso interesse na constituição da família, nos termos em que dispõe o art. 1.724 do Código Civil.
Assim como ocorre na união estável, o “namoro qualificado” é caracterizado por convivência pública, contínua e duradoura do casal, mas nessa modalidade de relacionamento não há animus de constituir um núcleo familiar. Trata-se apenas de uma união que visa a formação de uma família futura, como é o caso inclusive de noivos que, mesmo em um relacionamento sério, ainda não constituem um núcleo familiar no presente, mas pretendem contrair matrimônio e formar um núcleo familiar apartado.
Os relacionamentos não oficializados, na sociedade atual, costumam ser cada vez mais intensos e longos, gozando de ampla intimidade e publicidade, mormente com a utilização de redes sociais. Todavia, tais características, por si só, não atraem o reconhecimento da união estável quando as pessoas não demonstram o interesse em mudar as suas vidas para constituírem a família.
O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que a diferenciação entre a união estável e o namoro está, justamente, na intenção real dos conviventes de constituir família. E a matéria – diferenças entre a união estável e o namoro qualificado - já foi amplamente debatida em nossos Tribunais, tendo o Colendo STJ se manifestado no seguinte sentido:
RECURSO ESPECIAL E RECURSO ESPECIAL ADESIVO. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL, ALEGADAMENTE COMPREENDIDA NOS DOIS ANOS ANTERIORES AO CASAMENTO, C.C. PARTILHA DO IMÓVEL ADQUIRIDO NESSE PERÍODO. 1. ALEGAÇÃO DE NÃO COMPROVAÇÃO DO FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO DA AUTORA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. 2. UNIÃO ESTÁVEL. NÃO CONFIGURAÇÃO. NAMORADOS QUE, EM VIRTUDE DE CONTINGÊNCIAS E INTERESSES PARTICULARES (TRABALHO E ESTUDO) NO EXTERIOR, PASSARAM A COABITAR. ESTREITAMENTO DO RELACIONAMENTO, CULMINANDO EM NOIVADO E, POSTERIORMENTE, EM CASAMENTO. 3. NAMORO QUALIFICADO. VERIFICAÇÃO. REPERCUSSÃO PATRIMONIAL. INEXISTÊNCIA. 4. CELEBRAÇÃO DE CASAMENTO, COM ELEIÇÃO DO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. TERMO A PARTIR DO QUAL OS ENTÃO NAMORADOS/NOIVOS, MADUROS QUE ERAM, ENTENDERAM POR BEM CONSOLIDAR, CONSCIENTE E VOLUNTARIAMENTE, A RELAÇÃO AMOROSA VIVENCIADA, PARA CONSTITUIR, EFETIVAMENTE, UM NÚCLEO FAMILIAR, BEM COMO COMUNICAR O PATRIMÔNIO HAURIDO. OBSERVÂNCIA. NECESSIDADE. 5. RECURSO ESPECIAL PROVIDO, NA PARTE CONHECIDA; E RECURSO ADESIVO PREJUDICADO.
1. O conteúdo normativo constante dos arts. 332 e 333, II, da lei adjetiva civil, não foi objeto de discussão ou deliberação pela instância precedente, circunstância que enseja o não conhecimento da matéria, ante a ausência do correlato e indispensável prequestionamento.
2. Não se denota, a partir dos fundamentos adotados, ao final, pelo Tribunal de origem (por ocasião do julgamento dos embargos infringentes), qualquer elemento que evidencie, no período anterior ao casamento, a constituição de uma família, na acepção jurídica da palavra, em que há, necessariamente, o compartilhamento de vidas e de esforços, com integral e irrestrito apoio moral e material entre os conviventes. A só projeção da formação de uma família, os relatos das expectativas da vida no exterior com o namorado, a coabitação, ocasionada, ressalta-se, pela contingência e interesses particulares de cada qual, tal como esboçado pelas instâncias ordinárias, afiguram-se insuficientes à verificação da affectio maritalis e, por conseguinte, da configuração da união estável.
2.1 O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável – a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado "namoro qualificado" -, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída.
2.2. Tampouco a coabitação, por si, evidencia a constituição de uma união estável (ainda que possa vir a constituir, no mais das vezes, um relevante indício), especialmente se considerada a particularidade dos autos, em que as partes, por contingências e interesses particulares (ele, a trabalho; ela, pelo estudo) foram, em momentos distintos, para o exterior, e, como namorados que eram, não hesitaram em residir conjuntamente. Este comportamento, é certo, revela-se absolutamente usual nos tempos atuais, impondo-se ao Direito, longe das críticas e dos estigmas, adequar-se à realidade social.
3. Da análise acurada dos autos, tem-se que as partes litigantes, no período imediatamente anterior à celebração de seu matrimônio (de janeiro de 2004 a setembro de 2006), não vivenciaram uma união estável, mas sim um namoro qualificado, em que, em virtude do estreitamento do relacionamento projetaram para o futuro - e não para o presente -, o propósito de constituir uma entidade familiar, desiderato que, posteriormente, veio a ser concretizado com o casamento.
4. Afigura-se relevante anotar que as partes, embora pudessem, não se valeram, tal como sugere a demandante, em sua petição inicial, do instituto da conversão da união estável em casamento, previsto no art. 1.726 do Código Civil. Não se trata de renúncia como, impropriamente, entendeu o voto condutor que julgou o recurso de apelação na origem. Cuida-se, na verdade, de clara manifestação de vontade das partes de, a partir do casamento, e não antes, constituir a sua própria família. A celebração do casamento, com a eleição do regime de comunhão parcial de bens, na hipótese dos autos, bem explicita o termo a partir do qual os então namorados/noivos, maduros que eram, entenderam por bem consolidar, consciente e voluntariamente, a relação amorosa vivenciada para constituir, efetivamente, um núcleo familiar, bem como comunicar o patrimônio haurido. A cronologia do relacionamento pode ser assim resumida: namoro, noivado e casamento. E, como é de sabença, não há repercussão patrimonial decorrente das duas primeiras espécies de relacionamento.
4.1 No contexto dos autos, inviável o reconhecimento da união estável compreendida, basicamente, nos dois anos anteriores ao casamento, para o único fim de comunicar o bem então adquirido exclusivamente pelo requerido. Aliás, a aquisição de apartamento, ainda que tenha se destinado à residência dos então namorados, integrou, inequivocamente, o projeto do casal de, num futuro próximo, constituir efetivamente a família por meio do casamento. Daí, entretanto, não advém à namorada/noiva direito à meação do referido bem.
5. Recurso especial provido, na parte conhecida. Recurso especial adesivo prejudicado.
Conforme se verifica da transcrição do julgado, o tão citado objetivo de constituir o núcleo familiar, como requisito para o reconhecimento da união estável, enseja a necessidade da affectio maritalis no presente, e não a mera projeção da família para o futuro.
Ao contrário do que buscam muitas pessoas através da tutela jurisdicional, não é qualquer relação amorosa que caracteriza a união estável. Isso porque, mesmo que a relação seja pública e duradoura, com relações sexuais, com prole e, em alguns casos, até mesmo com coabitação, pode não estar presente o elemento fundamental consistente em desejar constituir família desde já. É absolutamente necessário que entre os conviventes, emoldurando sua relação de afeto e suas atitudes perante a sociedade, haja esse elemento subjetivo consistente na deliberação, na vontade e na tomada de decisões que levem à constituição da família no presente, em expresso compromisso pessoal e mútuo de união e construção do núcleo familiar, vivendo nesse sentido como se casados fossem. Isso significa dizer que deve haver assistência moral e material recíproca irrestrita, esforço conjunto para concretizar sonhos em comum, participação real nos problemas e desejos do outro etc.
No namoro qualificado, por outro lado, embora possa existir um objetivo futuro de constituir família, não há ainda essa comunhão de vida. Apesar de se estabelecer uma convivência amorosa pública, contínua e duradoura, os namorados ainda preservam sua vida pessoal. Os seus interesses particulares não se confundem no presente e a assistência moral e material recíproca não é totalmente irrestrita. Não se compreende como entidade familiar uma relação em que não se denota posse do estado de casado, qualquer comunhão de esforços, solidariedade e lealdade (conceito que abrange "franqueza, consideração, sinceridade, informação e, sem dúvida, fidelidade").
Por tudo o que foi exposto, e não havendo a comprovação dos requisitos da união estável, eventual partilha de bens dependeria de prova da colaboração efetiva dos conviventes para a sua aquisição, de forma a caracterizar a sociedade de fato, hipótese que atrai, em regra, as regras do direito obrigacional. Neste caso, cada um dos namorados deverá provar o quanto amealhou para o crescimento do patrimônio do casal, tendo direito ao percentual do que contribuiu.
Ao não se provar a participação na construção de um patrimônio comum, quando não se formou vínculo familiar, como é o caso do namoro, não há falar em partilha. A legislação pátria e a jurisprudência não reconhecem a presunção absoluta de esforço comum na aquisição do patrimônio quando não demonstrada a intenção de constituir família, hipótese em que fica afastada qualquer pretensão de partilha de bens.
Neste sentido, o patrimônio adquirido no período de simples namoro ou namoro qualificado não pode caracterizar acervo partilhável quando ocorrer a extinção do vínculo, porquanto o patrimônio que cada namorado possuía ao estabelecer o vínculo resultam excluídos da comunhão nos termos do Código Civil (art. 1.659, inciso II). Caso o patrimônio seja adquirido através do esforço comum ou seja a intenção dos conviventes garantir direitos iguais sobre os bens, podem formalizar a união estável ou registrar através de documento sua pretensão, o que resolverá qualquer impasse posterior acerca da partilha em caso de término do relacionamento.
Por outro lado, comprovando-se os requisitos para a configuração da união estável, os bens adquiridos na constância do relacionamento pertencem a ambos os conviventes, em partes iguais (regime de comunhão parcial de bens), sendo desnecessária a demonstração do esforço comum para a constituição do patrimônio, salvo contrato escrito entre os companheiros.
Dr. Nathália Monici é credenciada pela ANBERR em Direito de Familia e Sucessões com atuação na região de Brasilia e Goiânia.