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09.06.2018
Os planos de saúde de autogestão e a retirada de direitos históricos dos trabalhadores
Por Nathália Monici
A modalidade do plano de saúde de autogestão
Através da Resolução Normativa n.º 137, a Agência Nacional de Saúde Suplementar classificou como operadora de planos privados de assistência à saúde na modalidade de autogestão a pessoa jurídica de direito privado de fins não econômicos que opera plano de saúde, vinculada à entidade pública ou privada patrocinadora, instituidora ou mantenedora, ou criada por empresas, associações de pessoas físicas ou jurídicas, fundações, sindicatos, entidades de categorias profissionais ou assemelhados, com o objetivo de prestar assistência à saúde exclusivamente a seus empregados, ex-empregados, aposentados e pensionistas dos beneficiários, administradores, ex-administradores, sócios, associados e dependentes do grupo familiar até o quarto grau de parentesco consanguíneo, até o segundo grau de parentesco por afinidade, criança ou adolescente sob guarda ou tutela, curatelado, cônjuge ou companheiro dos beneficiários.
A Autogestão é uma modalidade de administração de planos de saúde em que a própria empresa ou organização institui e administra, sem finalidade de obtenção de lucro, o programa de assistência à saúde de seus beneficiários. Possui como princípios basilares para sua atuação a solidariedade, a autonomia, a cooperação, o apoio mútuo e a auto-organização.
Na teoria, por tratar de assistência a grupo específico, o plano de saúde de autogestão possibilitaria maior facilidade de comunicação entre beneficiários e gestores do serviço. Essa proximidade deveria permitir que os planos se moldassem para melhor atender às necessidades da população assistida, oferecendo uma cobertura adequada ao perfil de seus usuários a um custo condizente com suas possibilidades, além de garantir a participação dos beneficiários na gestão de seu próprio plano de saúde.
Na prática, contudo, verifica-se uma grande dificuldade de acesso dos beneficiários aos canais de atendimento e aos próprios tratamentos ofertados pelas operadoras, o que vai de encontro à legítima expectativa de proteção e atendimento integral esperada pelos usuário.
A criação das operadoras de autogestão no Brasil
A origem das operadoras do sistema autogestão no Brasil está intimamente ligada à criação de modelos de prestação de serviços fechados de assistência médica e odontológica, direcionados a atender certas categorias profissionais, como os bancários e os servidores públicos, ou para a atuação das próprias empresas empregadoras, principalmente as empresas públicas e as sociedades de economia mista.
O ano de 1923 é tido como o marco histórico da Previdência Social no Brasil. A Lei Eloy Chaves, promulgada em 24 de janeiro daquele ano, determinava que em cada uma das estradas de ferro existentes no país, deveria ser criada uma Caixa de Aposentadorias e Pensões para os respectivos empregados das empresas ferroviárias. As citadas Caixas de Aposentadorias e Pensões funcionavam como fundos mantidos por patrões e empregados que, além de garantirem benefícios previdenciários como descrito em sua denominação, também financiavam serviços médico-hospitalares aos trabalhadores e seus dependentes. Embora a promulgação da citada norma não seja comumente descrita como a origem dos planos de saúde no país, é difícil não vincular a existência das antigas caixas com as atuais operadoras da modalidade autogestão.
As primeiras operadoras de planos de autogestão foram criadas nas décadas de 1940e 1950, como a Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil – CASSI (1944), o Grupo Executivo Assistência Patronal – GEAP (1945), vinculado ao Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI), o Instituto de Assistência Médica dos Servidores Públicos do Estado de São Paulo – IAMSP (1952) e os planos exclusivos das empresas do setor automotivo, que aqui se instalaram durante do período de industrialização do Brasil. Durante o regime militar (décadas de 1960 e 1970), foram criadas várias outras operadoras de assistência médica, com serviços próprios e credenciados, ao passo que os serviços médicos nas empresas passaram a desempenhar funções ligadas fundamentalmente à saúde ocupacional.
Vários foram os fatores que levaram à criação e ao desenvolvimento dos planos de assistência à saúde na modalidade de autogestão no país, e que até os dias de hoje se mostram de extrema relevância para a sua manutenção. Para o lado patronal, onde há o imperativo econômico de manter e aumentar a competitividade no mercado, o oferecimento de assistência à saúde a seus empregados caracteriza a redução das faltas ao trabalho por questões de doença, a melhoria do desempenho dos trabalhadores no processo produtivo e fornecimento de um salário indireto como forma de tornar a empresa mais atrativa para mão-de-obra qualificada. De outro lado, para os trabalhadores, a organização dos sindicatos e associações foi um importante fator que possibilitou a construção de modelos alternativos de proteção social, buscando-se superar as deficiências do sistema público de saúde no que diz respeito ao acesso e à qualidade da assistência médica para os seus beneficiários e dependentes.
Histórico sobre a criação do Saúde CAIXA
Os empregados da Caixa Econômica Federal, desde a década de 1960, são beneficiários de serviço de assistência médica suplementar. Até meados de 1977, o plano de saúde dos empregados da CEF era ofertado por meio do Serviço de Assistência Social aos Servidores Economiários (SASSE). O referido plano, à época, garantia assistência à saúde de forma completa e inteiramente gratuita aos funcionários da empresa e seus dependentes. Todos prezavam a garantia de se sentir seguros, juntamente com seus familiares, na possibilidade de uma inesperada ocorrência desagradável com a saúde sua ou de quaisquer de seus familiares.
Com a criação da FUNCEF, em agosto de 1977, o SASSE foi extinto para ser criado o Programa de Assistência Médica Supletiva (PAMS) e para o qual a Caixa contribuía com 3% da folha de pagamento. O programa era custeado pela Caixa e administrado pela FUNCEF. Em 20 de julho de 1989, a Fundação transferiu a administração do PAMS para a Caixa.
Em 1992, após negociação de Acordo Coletivo, a empresa passou a contribuir com 3,5% da folha de pagamento para o custeio do plano de assistência à saúde dos empregados e de seus dependentes, além de oferecer o adiantamento odontológico para serviços de prótese dentária e ortodontia.
Em 1º de fevereiro de 2002, o programa passou a ser chamado de PAMS CAIXA, e foram lançadas alterações em seu formato de custeio, conforme previsto no Acordo Coletivo de Trabalho 2001/2002. Em agosto do mesmo ano, em comemoração aos seus 25 anos, o programa adotou o nome e marca Saúde CAIXA. Com a mudança naquele ano, a CEF passou a custear 100% das despesas administrativas do plano de saúde e 70% das despesas assistenciais. O beneficiário titular, por sua vez, contribuía com o percentual de 30% remanescente das despesas assistenciais e agora com pagamento de mensalidade de 2% de sua remuneração-base, mais coparticipação de 20% sobre a utilização dos serviços, limitado ao teto anual por grupo familiar.
De acordo com informações da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, o Saúde CAIXA é um dos maiores planos de assistência à saúde em relação à quantidade de vidas assistidas, no modelo de autogestão do país.
A Resolução n.º 23 da CGPAR e o risco pelo fim da vigência do Acordo Coletivo de Trabalho
No dia 18 de janeiro de 2018, não obstante diversos questionamentos e manifestações contrárias de sindicatos, associações e grupos ligados à proteção dos trabalhadores, foi publicada a Resolução n.º 23 da Comissão Interministerial de Governança Corporativa e de Administração de Participações Societárias da União (CGPAR), que atinge diretamente os empregados das empresas públicas através da precarização de direitos relativos a seus benefícios de assistência à saúde.
Várias foram as modificações efetivadas pela referida Resolução, dentre as quais se destacam: a fixação de limites de gastos com assistência à saúde a 8% da folha de pagamento de ativos e aposentados ou ao percentual correspondente à razão entre o valor despendido pela empresa para o custeio do benefício de assistência à saúde e o valor da folha de pagamento apurados em 2017, acrescido de até 10% (dez por cento) do resultado dessa razão (o que for menor); a paridade de custeio entre a empresa estatal e os empregados (50% para cada parte); a limitação da lista de dependentes aos cônjuges/companheiros e filhos, proibindo a inclusão dos pais e outros; a distinção de mensalidades de acordo com faixa etária e faixa salarial; e a previsão de que novos processos seletivos para admissão de empregados das empresas estatais federais não deverão prever o oferecimento de benefícios de assistência à saúde ao novos trabalhadores.
Os prejuízos trazidos pela Resolução n.º 23 da CGPAR não se limitam aos direitos individuais dos beneficiários. É importante registrar também que a norma contraria as negociações trabalhistas realizadas com as entidades representativas dos trabalhadores ao prever expressamente que “As empresas estatais federais que possuam o benefício de assistência à saúde previsto em Acordos Coletivos de Trabalho - ACT - deverão tomar as providências necessárias para que, nas futuras negociações, a previsão constante no ACT se limite à garantia do benefício de assistência à saúde, sem previsão de qualquer detalhamento do mesmo”.
De forma totalmente questionável, recentemente o Superior Tribunal de Justiça também deu um duro golpe nos trabalhadores beneficiários de planos de assistência à saúde, sobretudo aqueles vinculados a empresas estatais. Isso porque, no dia 11 de abril de 2018, a Corte mudou seu entendimento sumulado acerca da aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de planos de saúde, retirando da proteção da norma consumerista os planos administrados por entidades de autogestão, como é o caso do Saúde CAIXA. Na ocasião, houve o cancelamento da Súmula n.º 469 e a aprovação da nova Súmula 608, com as seguintes redações:
Súmula 469 (cancelada): Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde.
Súmula 608: Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.
Na mesma intenção de prejudicar os usuários dos planos de saúde, o novo estatuto da Caixa Econômica Federal, também divulgado recentemente, prevê que a participação da empresa no custeio da assistência à saúde de seus empregados passa a ser limitada ao percentual de 6,5% da folha de pagamento. Além da limitação informada, o cálculo para o teto no novo modelo inclui os gastos fiscais e administrativos do plano, que no modelo atual é de responsabilidade exclusiva da empresa. Com a inclusão do teto para gastos da Caixa, à medida em que as despesas médicas forem aumentando e ultrapassem o limite dos 6,5% da folha, as cobranças sobre os beneficiários vão aumentar, permitindo-se a precarização da prestação dos serviços e a retirada injusta e abusiva dos empregados e aposentados do quadro de usuários dos planos de assistência à saúde por não conseguirem arcar com os pagamentos pela utilização dos serviços médicos.
O atual modelo de custeio adotado para o Saúde CAIXA, previsto no Acordo Coletivo de Trabalho vigente, não possui a previsão de teto e determina que a empresa é responsável por 70% de todo o custo assistencial. Este modelo do custeio é uma vitória histórica dos trabalhadores através de negociação coletiva e está vigente desde 2004, tendo inclusive mantido o plano de assistência à saúde superavitário ao longo dos anos. No último Acordo Coletivo, firmado em setembro de 2016, ficou estabelecida a manutenção do modelo acima descrito (cláusula 32, parágrafo 2º), razão pela qual é inaplicável aos planos ativos qualquer modificação durante a vigência do acordo, ou seja, até 31 de agosto de 2018.
Registra-se, todavia, os direitos dos trabalhadores em relação ao plano de saúde nos moldes atualmente vigentes somente estão garantidos até o término da vigência da norma coletiva, quando se dará nova negociação, a qual deverá ter por base – ao menos segundo interesse da empresa – a Resolução nº 23 da CGPAR e o novo estatuto da Caixa. Não obstante a manutenção das regras do Acordo Coletivo até agosto de 2018, as associações e entidades sindicais devem unificar a luta dos trabalhadores desde já pela preservação de seus planos de assistência à saúde por meio de um movimento em defesa dos direitos e das garantias dos beneficiários de planos de autogestão.
* Nathália Monici é Advogada do Escritório Nathália Monici Advocacia; Especializanda em Direito Médico e Hospitalar pela Escola Paulista de Direito; Especializanda em Direitos Sociais, Ambiental e do Consumidor pelo Centro Universitário de Brasília - UNICEUB; Capacitada em Gestão e Direito à Saúde pelo Instituto SAT Educacional/Conselho Federal OAB; Integrante do Instituto Jurídico BIOMEDS e membro do Fórum Nacional Médico e Jurídico de Defesa do SUS