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02.12.2023
PARECER JURÍDICO
Solicitante: Associação Nacional dos Beneficiários Reg e Replan - ANBERR
Ementa: SAÚDE CAIXA. ADITIVO AO ACORDO COLETIVO 2022/2024. ALTERAÇÕES LESIVAS AOS BENEFICIÁRIOS.
DA CONSULTA
Trata-se de consulta formulada pela Associação Nacional dos Beneficiários Reg e Replan com o objetivo de analisar a atual situação do plano de assistência à saúde próprio dos empregados da Caixa Econômica Federal (Saúde CAIXA), bem como as mudanças lesivas previstas no aditivo do acordo coletivo 2022/2024 a serem votadas em 5 de dezembro de 2023. A questão envolve a proteção dos direitos dos usuários, a transparência nas mudanças propostas e o equilíbrio econômico-financeiro da assistência ofertada.
É importante registrar, inicialmente, que o acesso aos documentos relativos aos planos de assistência à saúde ofertados pela Caixa a seus empregados e aposentados (Saúde Caixa e PAMS) sempre foi obstado pela empresa. A negativa em apresentar os dados impede a verificação da real necessidade de que as mudanças lesivas propostas sejam realmente imprescindíveis para a manutenção dos planos.
Conforme amplamente questionado junto à Caixa, as entidades não buscam acesso a informações privadas sobre atendimentos médicos dos usuários e de seus dependentes – o que é protegido pela legislação -, mas apenas aos dados que embasam o discurso de que os planos sofreriam com desequilíbrio financeiro e, portanto, necessitariam da alteração da forma de custeio e aumento das mensalidades.
Antes de se adentrar na análise da minuta a ser votada em assembleia, são necessários alguns esclarecimentos sobre a natureza histórica do plano de assistência à saúde concedido pela Caixa. O principal deles se refere ao fato de que o plano de saúde destinado aos empregados, aposentados e pensionistas da Caixa não é um mero direito convencionado em norma coletiva através da negociação com os Sindicatos. O direito ao plano de saúde sempre foi concedido pela empresa por força de norma interna, tendo aderido ao contrato dos trabalhadores no momento de sua contratação.
A categoria teve o seu primeiro Acordo Coletivo de Trabalho, assinado pela CONTEC, apenas em 1987, quando o benefício já era fornecido por deliberação da empresa por meio do Serviço de Assistência Social aos Servidores Economiários (SASSE) instituído em anos anteriores, de forma completa e inteiramente gratuita aos funcionários da empresa e seus dependentes.
Com a criação da FUNCEF, em agosto de 1977, o SASSE foi extinto para ser criado o Programa de Assistência Médica Supletiva (PAMS). O programa era custeado pela Caixa e administrado pela FUNCEF, e a empresa contribuía com 3% da folha de pagamento para o custeio das despesas.
Em 2002, em comemoração aos seus 25 anos, o programa adotou o nome e marca Saúde CAIXA. Com a mudança naquele ano, a CEF passou a custear 100% das despesas administrativas do plano de saúde e 70% das despesas assistenciais. O beneficiário titular, por sua vez, passou a ser responsável pelo percentual de 30% remanescente das despesas assistenciais, através do pagamento de mensalidade de 2% de sua remuneração-base mais coparticipação sobre a utilização dos serviços, limitado ao teto anual por grupo familiar.
Em desrespeito às normas até então vigentes, a Caixa passou a editar alterações normativas em seu estatuto social e regulamentos internos com o objetivo de retirar direitos relativos aos planos de saúde. As novas regras foram também incluídas nas propostas de acordo coletivo com a categoria profissional a partir do ACT 2018, com a realização de verdadeira ameaça e constrangimento aos trabalhadores para a assinatura das modificações.
Com o intuito de prejudicar os beneficiários dos planos de saúde, o Estatuto Social da Caixa Econômica Federal, passou a prever que a participação do Banco no custeio da assistência à saúde de seus empregados seria limitado ao percentual de 6,5% da folha de pagamento. Ainda, o cálculo para o teto no novo modelo passou a incluir os gastos fiscais e administrativos, que no modelo anterior eram de responsabilidade exclusiva da Caixa.
É importante registrar que a limitação imposta pela CEF, no montante de 6,5% da folha de pagamento, é consideravelmente menor do que a restrição prevista pela Resolução n.º 23 da CGPAR (8%), o que demonstra a intenção não só do Governo, mas também da empresa, de lesar os beneficiários do Saúde Caixa.
Ao contrário do que tenta fazer crer a Caixa, desde o seu primeiro dia, o plano de saúde foi definido como um benefício trabalhista devido aos empregados ativos e aposentados, além dos dependentes e pensionistas, vitaliciamente, devidamente previsto em norma interna da empresa e, consequentemente, com adesão aos contratos de trabalho.
O modelo de custeio adotado pela Caixa durante décadas, sem a previsão de teto, no qual a empresa era responsável por 70% de todo o custo assistencial e pela totalidade das despesas não assistenciais, estava previsto no Acordo Coletivo de Trabalho 2016/2018. Este modelo do custeio do Saúde Caixa ficou vigente desde 2004 e se manteve superavitário ao longo dos anos, garantindo a prestação de serviços médicos e odontológicos de qualidade aos beneficiários.
No citado ACT firmado em 2016 e com vigência até 31/08/2018, ficou estabelecida a manutenção do modelo (70% - 30%), razão pela qual é inaplicável aos usuários admitidos na Caixa até o término de sua vigência qualquer alteração lesiva em relação ao plano de saúde.
Em verdade, ao proceder com a imputação de teto de custeio do plano de saúde, a norma impõe um ônus injustificável aos beneficiários do plano de assistência à saúde, impedindo para alguns a continuidade do pagamento das despesas, o que culminará com sua exclusão do rol de beneficiários.
Da singela análise da minuta do aditivo, bem como das regras negociadas desde o ACT 2018/2020, verifica-se que várias foram as modificações impostas no que se refere ao oferecimento do planos de saúde, caracterizando um verdadeiro desmonte aos direitos dos beneficiários.
No acordo coletivo de 2018/2020, o primeiro a prever a limitação do teto de 6,5%, registrou-se que a restrição teria vigência a partir de 2021, e não há qualquer vinculação deste teto ao modelo 70% - 30%, no sentido de ser aplicada a limitação que for menor. Ainda, naquele ano foi garantida a manutenção da mensalidade em 2% para o grupo familiar (titular e dependentes diretos), com acréscimo de mensalidade adicional de R$ 110,00 por dependente indireto. Havia, por fim, o teto anual de coparticipação aos usuários no valor de R$ 2.400,00 (dois mil e quatrocentos reais).
Por sua vez, no acordo coletivo de 2020/2022, reiterou-se que a limitação do teto de 6,5% teria vigência a partir de 2021. Contudo, a mensalidade para os usuários saltou de 2% para o grupo familiar (titular e dependentes diretos) para 3,5% para o titular, com acréscimo de 0,4% por cada dependente direto (limitado ao teto de 4,3%) e indiretos (sem limite de percentual). O teto anual de coparticipação aos usuários passou ao valor de R$ 3.600,00 (três mil e seiscentos reais).
Registra-se que as mudanças propostas – e assinadas pelas Confederações com autorização dos Sindicatos vinculados – trouxeram impacto importante no custeio do plano aos beneficiários que, já àquela época, não tinham acesso aos dados e informações necessárias à análise sobre a razoabilidade dos reajustes e limitações de custeio.
Por fim, da minuta do aditivo do ACT 2022/2024, que será assinada na próxima semana, verifica-se que o modelo de custeio 70% - 30%, que protege os trabalhadores no caso de aumento das despesas assistenciais, deixou de existir em sua essencial, na medida em que o parágrafo 4º da cláusula 2ª do aditivo registra que a participação da Caixa no custeio das despesas será limitada a 70% do montante ou ao teto de 6,5%, o que for menor.
Ainda, traz que a mensalidade para os usuários permanecerá em 3,5% sobre a remuneração base do titular, mas agora terá acréscimo de R$ 480,00 (quatrocentos e oitenta reais) por cada dependente direto (limitado ao teto de 7%) ou indireto (sem limite de percentual). O teto anual de coparticipação aos usuários permaneceu no valor de R$ 3.600,00 (três mil e seiscentos reais).
A modificação trazida na proposta de 2022/2024 escancara a real intenção da Caixa em violar os direitos dos empregados e aposentados, pois a nova forma de participação dos usuários impõe o que já se pretendia desde a edição da Resolução n.º 23 da CGPAR: imputar a cobrança de mensalidades para os dependentes “por cabeça”, com valores específicos para cada vínculo.
É possível – lamentavelmente – que o próximo passo da empresa seja a cobrança de mensalidades por faixa etária, como ocorre com os planos comercializados no mercado e que, inegavelmente, traz grande impacto financeiro às famílias no momento em que os usuários mais precisam da assistência (após os 59 anos).
Sem o acesso aos dados e documentos para verificação do equilíbrio-financeiro do plano, as alterações trazidas na minuta do acordo coletivo mostram-se lesivas aos empregados da CEF, tendo em vista que, em síntese: i. referenda a menor participação da empresa no custeio do plano de saúde; ii. aumenta a contribuição dos empregados e aposentados, considerando-se as mensalidade com os dependentes; iii. retira o plano de saúde para os novos funcionários e para os futuros aposentados; e iv; reduz os benefícios oferecidos.
O ordenamento jurídico brasileiro preconiza o direito à informação como essencial nas relações, sejam elas de consumo ou de simples adesão. Nesse sentido, a ausência de acesso aos dados atuariais para análise do equilíbrio financeiro do plano de saúde representa uma violação desse princípio, dificultando a compreensão pelos beneficiários sobre a justificativa do reajuste e da mudança de custeio.
A jurisprudência pátria reconhece a importância do equilíbrio econômico-financeiro nos contratos, especialmente nos planos de saúde. A falta de transparência na disponibilização dos dados atuariais, todavia, compromete a capacidade do beneficiário em compreender se os reajustes aplicados e a mudança da forma de custeio são proporcionais e razoáveis.
A Caixa deve, além de dar acesso aos dados para análise atuarial das receitas e gastos do Saúde Caixa, esclarecer como tem sido feito o custeio das despesas médicas dos usuários do PAMS, haja vista a ilegalidade de que tais custos sejam lançados juntamente ao passivo do Saúde Caixa e acabe por comprometer mais ainda a limitação de 6,5% imposta.
As alterações perpetradas pela Caixa, portanto, violam direitos adquiridos dos empregados, aposentados e pensionistas, razão pela qual devem ser consideradas nulas por ofenderem a literalidade do artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal, bem como os artigos 10 e 468 da CLT.
Trazidas todas as implicações jurídicas das mudanças lesivas em relação ao plano de saúde, cabível apresentar os impactos financeiros que as alterações impõem aos usuários, principalmente no que se refere ao custeio do Saúde Caixa, o que fatalmente culminará com a extinção do plano ou a expulsão dos beneficiários mais idosos dos serviços prestados.
Isso porque, o Saúde Caixa é estruturado no regime financeiro de repartição simples. Este regime financeiro, devido a sua natureza, não permite acumulação de recursos, uma vez que a arrecadação é destinada a custear o risco de pagamento dos eventos garantidos pelo plano no período. É um mútuo que visa dividir os gastos, no período, com pagamentos de atendimentos de alguns participantes com a receita de todos os participantes. Não há acumulação de capital ou qualquer reserva que poderá ser distribuída no futuro.
A empresa, ao impor teto para o custeio das despesas, demonstra clara e evidente intenção em exterminar com o plano existente. Somado a este problema, tem-se que a massa de participantes existente e fechada (haja vista não se tratar o Saúde Caixa de um plano comercializado no mercado), como assim será, envelhecerá. Este dito envelhecimento provocará um aumento de gastos com saúde e a consequente impossibilidade de os usuários arcarem com as despesas. Os usuários correm o risco de ficar desassistidos ou obrigados a aumentos substanciais no valor do plano de saúde.
Como amplamente demonstrado, as eventuais alterações em normativos da empresa não podem afetar os direitos adquiridos de seus empregados, consoante determina o artigo 10 da CLT. Assim, não é permitido à Caixa praticar atos que ataquem o direito à manutenção das obrigações contraídas em relação a seus empregados, com vistas ao inadimplemento de direitos trabalhistas adquiridos por previsão em normativos internos da própria empresa.
Por sua vez, a CLT, em seu art. 468, dispõe serem ilícitas as alterações do contrato de trabalho que prejudicam o trabalhador, culminando sua nulidade. Aqui incluem-se também as alterações lesivas impostas por normativos internos da empresa, que aderem ao contrato individual de trabalho dos seus empregados, dada a garantia da intangibilidade dos atos jurídicos perfeitos e dos direitos adquiridos (art. 5º, XXXVI da CF/88).
A Reclamada, sem qualquer justificativa, impôs limitação ao custeio do plano de saúde de seus empregados e aposentados, o que trouxe inquestionável prejuízo financeiro aos usuários da assistência à saúde.
O chamado princípio da inalterabilidade contratual lesiva é originário do Direito Civil, tendo sido inspirado no princípio geral deste ramo do direito denominado Inalterabilidade dos Contratos. Trata-se da expressão “pacta sunt servanda”, de acordo com a qual os contratos devem ser rigorosamente observados e cumpridos, vez que fazem lei entre as partes.
E a prevalência de referido princípio é essencial para a manutenção do equilíbrio do pacto laborativo e efetivação jurídica da proteção especial ao trabalhador, afinal, as normas de direito trabalhista não são apenas para regular a relação de trabalho, mas também para cumprir o papel de proteção da parte hipossuficiente da relação laboral, qual seja, o trabalhador. Desse modo, tanto as normas quanto os princípios do direito do trabalho nascem com a finalidade principal de tutela do obreiro.
Tal proteção advém da posição de subordinação em que se encontra o trabalhador diante do tomador de serviços, com uma tendência de aceitação e submissão à vontade patronal que pode lhe ser extremamente prejudicial, como ocorreu com a alteração imposta pela Caixa.
Mister salientar que a limitação do custeio de gastos imposta pela Caixa através da mudança do Estatuto Social busca, de forma sorrateira, efetuar alteração lesiva aos direitos dos empregados, em detrimento ao previsto no normativo interno RH 070 versão 008, que havia afastado a fixação de teto de gastos para prever, ao contrário, uma participação mínima da empresa com o pagamento das despesas do plano de saúde.
O limite mínimo previsto no RH 070 versão 008, por sua vez, traduziu-se como contrapartida aos usuários do plano que passaram a custear mensalidades do plano de saúde, despesa que inexistia no plano anterior (PAMS), e que tiveram aumento no percentual de responsabilidade pelo plano para 30% das despesas médicas.
As alterações impostas em estatuto e normativos internos podem (e devem) ser atacadas pelas vias judiciais, seja através da atuação das entidades ou de denúncia apresentada ao Ministério Público do Trabalho.
Demais disso, no que se refere às alterações trazidas no aditivo do acordo coletivo de trabalho, a categoria precisa estar devidamente orientada quanto aos direitos ali retirados e à real necessidade das alterações no custeio do plano de saúde, a fim de que a decisão tomada em assembleia seja embasada em dados reais e não apenas em ameaças e constrangimentos.
CONCLUSÃO
Pelo exposto, respondendo aos questionamentos formulados na consulta, tem-se que há a necessidade de acesso aos documentos atuariais do plano de saúde para que os usuários possam estar esclarecidos quando às mudanças e consequências da assinatura ou não do aditivo do acordo coletivo de trabalho 2022/2024.
As mudanças propostas registram alteração lesiva das regras hoje existentes, dentre as quais destacamos: mensalidades mais altas, majoração das cobranças por cada dependente, dentre outras que poderão vir para prejudicar os trabalhadores.
Há necessidade, portanto, de mobilização da categoria pelas diversas vias possíveis, seja com a provocação das entidades responsáveis pelas negociações para que a violação de direitos não seja aceita e naturalizada, como tem sido nos anos anteriores, seja pela busca do Poder Judiciário para declarar a nulidade das alterações lesivas impostas em normativos internos da empresa.
A tutela do direito fundamental à saúde do cidadão brasileiro é urgente, a segurança e a previsão dos usuários dos planos de saúde quanto a seus direitos, também.
Nas brilhantes palavras da Ministra Carmen Lúcia, “Saúde não é mercadoria. Vida não é negócio. Dignidade não é lucro. Direitos conquistados não podem ser retrocedidos sequer instabilizados (...).
É o parecer.
Brasília/DF, 2 de dezembro de 2023.
Nathália Monici Lima
OAB/DF n.º 27.171(especialista e assessora da ANBERR)