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23.08.2023
André Pedreira Ibañez
É consenso entre os estudiosos da área tributária que o excesso de obrigações tributárias acessórias no Brasil vai na contramão da segurança jurídica, dificultando a conformidade com a extensa legislação e, como consequência, contaminando o ambiente de negócios.
Em função disso foi elaborado o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 178/2021, de iniciativa do Deputado Federal Efraim Filho (DEM/PB), cuja justificação aborda o foco na ideia de cooperação fiscal voltada à simplificação das obrigações tributárias acessórias, visando à integração de fiscos e contribuintes para melhorar o ambiente de negócios do país, reduzindo-se o “Custo Brasil”.
Nesse contexto nasceu a Lei Complementar nº 199, de 1º de agosto de 2023, que “institui o Estatuto Nacional de Simplificação de Obrigações Tributárias Acessórias”, composto por 11 artigos, os quais, todavia, sofreram reduções por conta de diversos vetos realizados pelo Presidente da República, explicitados na Mensagem nº 373, de 1º de agosto de 2023.
Pelo PLP nº 178/2021 boa parte das obrigações acessórias exigidas pelos entes tributantes seriam simplificadas por meio das seguintes medidas:
a) emissão de documentos fiscais, pela instituição da Nota Fiscal Brasil Eletrônica (NFB-e);
b) apresentação de declarações fiscais, pela instituição da Declaração Fiscal Digital (DFD);
c) utilização dos dados de documentos fiscais para a apuração de tributos, fornecimento de declarações pré-preenchidas e respectivas guias de recolhimento de tributos pelas administrações tributárias;
d) facilitação dos meios de pagamento de tributos e contribuições, inclusive unificando os respectivos documentos de arrecadação; e
e) unificação de cadastros fiscais e seu respectivo compartilhamento em conformidade com a competência legal, pela instituição do Registro Cadastral Unificado (RCU).
A essência do PLP, de acordo com a sua justificação, foi a de reduzir consideravelmente os tipos de notas fiscais e de declarações espalhadas pelos diversos estados e municípios, reduzindo o custo de conformidade e facilitando o combate à sonegação.
Ocorre que o PLP acabou sofrendo um severo decote por conta de vetos do Presidente da República, os quais acabaram por suprimir a Nota Fiscal Brasil Eletrônica (NFB-e), a Declaração Fiscal Digital (DFD) e o Registro Cadastral Unificado (RCU), pelas seguintes razões expostas na Mensagem nº 373/2023:
Em que pese a boa intenção do legislador, a proposição legislativa contraria o interesse público, tendo em vista que a criação da NFB-e, da DFDB e do RCU poderia aumentar custos no cumprimento das obrigações tributárias, além de custos financeiros para a sociedade e a administração pública, devido à necessidade de evoluir sistemas e aculturar a sociedade a novas obrigações. Ademais, há atualmente no País um conjunto de documentos fiscais eletrônicos em pleno funcionamento, com processo natural de evolução e simplificação a ser realizado de maneira estruturada e em observância aos princípios da eficiência e da economicidade.”
Dessa forma, pode-se afirmar que “alma” da nova lei complementar acabou sendo de alguma forma ceifada, na medida em que foram suprimidas as medidas mais objetivas que constavam no PLP, restando o art. 1º com a seguinte redação:
Art. 1º Esta Lei Complementar institui o Estatuto Nacional de Simplificação de Obrigações Tributárias Acessórias, em observância ao disposto na alínea “b” do inciso III do caput do art. 146 da Constituição Federal , com a finalidade de diminuir os custos de cumprimento das obrigações tributárias e de incentivar a conformidade por parte dos contribuintes, no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, especialmente no que se refere à:
I – emissão unificada de documentos fiscais eletrônicos;
II – (VETADO);
III – (VETADO);
IV – utilização dos dados de documentos fiscais para a apuração de tributos e para o fornecimento de declarações pré-preenchidas e respectivas guias de recolhimento de tributos pelas administrações tributárias;
V – facilitação dos meios de pagamento de tributos e contribuições, por meio da unificação dos documentos de arrecadação;
VI – unificação de cadastros fiscais e seu compartilhamento em conformidade com a competência legal;
VII – (VETADO).
§ 1º Para a emissão unificada de documentos fiscais eletrônicos referida no inciso I do caput deste artigo, considerar-se-ão os sistemas, as legislações, os regimes especiais, as dispensas e os sistemas fiscais eletrônicos existentes, de forma a promover a sua integração, inclusive com redução de custos para os contribuintes.
§ 2º O Estatuto Nacional de Simplificação de Obrigações Tributárias Acessórias objetiva a padronização das legislações e dos respectivos sistemas direcionados ao cumprimento de obrigações acessórias, de forma a possibilitar a redução de custos para as administrações tributárias das unidades federadas e para os contribuintes.
§ 3º (VETADO).
§ 4º (VETADO).
§ 5º Esta Lei Complementar não se aplica às obrigações tributárias acessórias decorrentes dos impostos previstos nos incisos III e V do caput do art. 153 da Constituição Federal.
A partir dessa redação fica claro que a Lei Complementar nº 199/2023 se tornou muito mais uma declaração de intenções, do que uma norma que tenda a ter resultados práticos e efetivos a curto prazo.
Acrescenta-se, ainda, que, conforme previsto no § 5º, acima, o Imposto de Renda e o Imposto sobre Operações Financeiras não tiveram suas obrigações acessórias afetadas pela nova lei, provavelmente pelo caráter essencialmente federal das duas exações, impactando menos no contexto que envolve os estados e municípios.
O art. 2º, por sua vez, prevê a possibilidade de compartilhamento de dados ficais e cadastrais entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios “sempre que necessário para reduzir obrigações acessórias e aumentar a efetividade da fiscalização”. Trata-se, no caso, de complementação do art. 37, inciso XXII, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 42/2003[2].
Em relação à gestão das ações de simplificação de obrigações tributárias acessórias, é definida, no art. 3º, a atuação do “Comitê Nacional de Simplificação de Obrigações Tributárias Acessórias (CNSOA), vinculado ao Ministério responsável pela Fazenda Pública Nacional”, composto por: a) 6 representantes da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, como representantes da União; b) 6 representantes dos Estados e do Distrito Federal; e 6 representantes dos Municípios,
Chama atenção que foi vetada a participação de 6 representantes da sociedade civil, pelas seguintes razões:
Em que pese a boa intenção do legislador, a proposição legislativa contraria o interesse público, tendo em vista que a Constituição e as leis tributárias outorgaram aos entes federativos competência tributária plena para instituir seus tributos, definir fatos geradores e alíquotas e dispor sobre a forma de constituição dos respectivos créditos. Assim, por mais importante que seja a participação da sociedade civil no auxílio da administração pública, como um todo, a presença de membros alheios às administrações tributárias e aos deveres de sigilo fiscal e de preservação de informações em um comitê técnico que trata de obrigações acessórias seria contrária ao interesse público. Outrossim, a atuação de particulares no CNSOA poderia ensejar violação ao dever de sigilo fiscal e configurar a atuação, dentro de unidade com funcionalidade tributária, de agentes à margem da administração pública tributária, de modo a violar, respectivamente, o disposto no inciso X do caput do art. 5º e no inciso XXII do caput do art. 37 da Constituição.
Outrossim, o § 11 do art. 3º, disciplina a realização de prévia consulta pública para as deliberações do CNSOA, de acordo com o art. 29 do Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro)[3].
Por fim, cabe referir que a Lei Complementar nº 199/2023 não afasta o regime do Simples Nacional àqueles contribuintes nele enquadrados, consoante expressa previsão do art. 9º.
[2] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
(…)
XXII – as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
[3] Art. 29. Em qualquer órgão ou Poder, a edição de atos normativos por autoridade administrativa, salvo os de mera organização interna, poderá ser precedida de consulta pública para manifestação de interessados, preferencialmente por meio eletrônico, a qual será considerada na decisão. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
§ 1º A convocação conterá a minuta do ato normativo e fixará o prazo e demais condições da consulta pública, observadas as normas legais e regulamentares específicas, se houver. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
§ 2º (VETADO). (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
Dr. Andre Pedreira Ibanez - Assessor Jurídico da ANBERR - Bacharel em Direito pela PUCRS, Especialista em Direito Empresarial pela UFRGS, Mestre em Direito pela UFRGS e Doutor em Direito pela UFRGS. Advogado sócio de Ibañez & Leitão Advogados. Professor de Cursos de Pós-Graduação em Direito.