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22.03.2023
Nas últimas semanas, o mercado foi surpreendido pelo “caso Americanas”, que divulgou ter constatado “inconsistências contábeis” de aproximadamente R$ 20 bilhões. É possível que o caso venha a ser um divisor de águas para a Governança Corporativa no Brasil, pois a empresa está listada no Novo Mercado, segmento mais alto de governança da bolsa.
Empresas de capital aberto, em especial as do Novo Mercado, geram expectativa de transparência e fidedignidade de suas demonstrações financeiras, até porque dispõem de grandes estruturas, auditoria, análise de órgãos fiscalizadores e a própria observação do mercado. Espera-se, portanto, que essas companhias adotem boas práticas e padrões elevados de governança e compliance.
A realidade não é exatamente assim. O Brasil avançou muito em termos governança, mas ainda há muito a fazer. Um destes avanços foi a implementação do Informe de Governança Corporativa, em que as empresas reportam a aplicação (ou não) das práticas de governança corporativa.
A análise atenta do Informe pode fornecer aos analistas e ao mercado sinais quanto à qualidade da governança adotada pelas empresas e sua postura em relação a temas sensíveis como, por exemplo, controles internos e auditoria.
Estudo recente, resultado do trabalho de conclusão da aluna Sabrina Roncato, do curso de Ciências Contábeis da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), sob minha orientação, intitulado “Panorama do nível de governança corporativa em relação aos órgãos de fiscalização e controle nas empresas do novo mercado”, analisou as práticas relacionadas a comitê de auditoria, auditoria interna e gerenciamento de riscos, controles internos e integridade/conformidade (compliance), informadas pelas companhias até junho de 2022. Assim, para cada prática mencionada no Informe de Governança, as empresas declaram a adoção como: “sim”, “parcialmente” ou “não”.
O estudo revela que, 60% das companhias “não” possuem ou possuem apenas “parcialmente” comitê de auditoria em suas estruturas de governança, 33% adotam “parcialmente” ou “não” adotam auditoria interna e, em relação ao gerenciamento de riscos, controles internos e compliance, apenas 17%. Lembrando que essas exigências se tornaram obrigatórias a partir da alteração do regulamento do Novo Mercado, em 02 de janeiro 2018.
Chama atenção, também, a falta de transparência quanto às justificativas apresentadas pelas companhias para “não” adotarem, ou adotarem de forma “parcial” esses órgãos de controle. O estudo analisou qualitativamente 335 respostas e, de modo geral, há justificativas específicas para cada contexto. Mas, por exemplo, 56,6% das respostas relacionadas ao comitê de auditoria foram classificadas como justificativa “deficiente”, que são aquelas em que a companhia diz não adotar ou adotar parcialmente uma recomendação sem prover as razões reais para não seguir a prática recomendada.
As práticas impostas ou adotadas voluntariamente por companhias de capital aberto servem de parâmetro para as demais, balizando comportamentos e tendências de governança, compliance e transparência. Seria até mesmo desnecessário exigir legalmente a criação de órgãos de fiscalização e controle internos, pois se trata de mecanismos básicos para proteger acionistas minoritários e demais partes interessadas.
Governança corporativa vai além de exigências formais. Requer mudança de cultura, comportamento ético e compromisso por parte de diretores e conselheiros na adoção de boas práticas e transparência da informação. Só assim é possível alinhar os interesses das partes interessadas, gerar valor e garantir a longevidade da empresa.
Letícia Medeiros - Professora Doutora da Faculdade de Ciencias Econômicas da UFRGS - Assessora de Finanças e Contabilidade da ANBERR
Fonte: JC-Jornal do Comércio; Porto Alegre, quarta-feira, 22 de março de 2023; Seção "Opinião".